sexta-feira, 13 de março de 2015


O Mito da Caverna

Imaginemos, escreve Platão, uma caverna separada do mundo exterior por um muro baixo. Entre esse
muro e o teto da caverna há uma fresta por onde passa alguma luz externa, evitando que o interior fique
na obscuridade completa. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos estão acorrentados ali, sem poder mover a cabeça na direção da entrada nem se locomover até ela, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Estão quase no escuro e imobilizados.
Do outro lado do muro, mas ainda dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que ali se passam sejam
projetadas como sombras nas paredes do fundo da
caverna (pensemos na caverna como se fosse uma sala
de cinema e o fogo, a luz de um projetor de filmes).
Entre o fogo e o muro, pessoas passam conversando
e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres, animais cujas sombras são projetadas
na parede da caverna. Nunca tendo visto o mundo exterior, os prisioneiros julgam que as sombras das coisas
transportadas e os sons das falas das pessoas são as
próprias coisas externas. Ou seja, julgam que as sombras são seres vivos que se movem e falam.
Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas que julgam ver (sem vê-las realmente, pois estão
na obscuridade), e imaginam que o que escutam, e
que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das próprias sombras dos artefatos, e não dos seres humanos que os carregam e se encontram do outro lado do muro.
Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade. Essa confusão,
porém, não tem como causa um defeito na natureza
dos prisioneiros, e sim as condições adversas em que
se encontram. Que aconteceria se eles fossem libertados dessa situação miserável?
Um dos prisioneiros, inconformado com a condição
em que se encontra, decide abandonar a caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões.
De início, move a cabeça; depois, o corpo todo; a seguir,
avança na direção da saída da caverna e escala o muro.
Enfrentando as durezas de um caminho íngreme e difí-
cil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente
cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos
não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos
movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e
pelo ofuscamento de seus olhos pela luz externa, muito
mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no
interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.
Incredulidade, porque será obrigado a decidir sobre
onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas
sombras em que sempre viveu? Deslumbramento (literalmente: ‘ferido pela luz’), porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas.
Seu primeiro impulso é retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que
lhe parece mais acolhedora. Como precisa aprender a
ver, e esse aprendizado é doloroso, desejará a caverna,
onde tudo lhe é familiar e conhecido.
Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro
permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e
começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade
de finalmente ver as coisas como elas realmente são,
descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que
em sua prisão vira apenas sombras. A partir desse instante, desejará ficar longe da caverna para sempre e
lutará com todas as suas forças para jamais retornar a
ela. Mas lamenta a sorte dos outros prisioneiros. Por
fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo
sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também.
O que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras. Se não conseguirem silenciá-lo com suas caçoadas, tentarão fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim
ele teimar em afirmar o que viu e os convidar a sair da
caverna, certamente acabarão por matá-lo. Mas,
quem sabe, alguns poderão ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo
à realidade?
Introdução à Filosofia : ensino médio, volume único / Marilena Chaui 2ª ed - são Paulo : Ática, 2013, página 10
Estamos criando este blog com o objetivo de auxiliarmos os nossos alunos durante o ano letivo de 2015, esperamos que esta ferramenta possa contribuir com a aprendizagem de todos.